terça-feira, 28 de junho de 2011

Traste

ding-dong!
Ela abre a porta:
_ Você?
Há vinte anos não o via. Quando terminaram, depois que ela descobriu o caso de três anos que ele tinha com a amiga, ela nunca mais o atendeu ao telefone. Trocou o números, mudou de cidade, sumiu. Ele até tentou enviar uns e-mails, dizendo que a amava, que tudo tinha sido um mal entendido. Mas depois de terminarem, ela descobriu que além do caso com a amiga, ele tinha mais quatro namoradas virtuais, que encontrava periodicamente. Um traste. Mas eis que, vinte anos depois, ele aparece. "Como descobriu meu endereço?" ela pensou. Mas não teve tempo de resposta. Ele a interrompeu:
_ Vim porque pensei muito nesses anos todos. Fui muito egoísta, hipócrita, irresponsável e não soube valorizar a mulher que tinha ao meu lado. A única mulher que verdadeiramente amei. Fabiana, você é a mulher da minha vida. Posso entrar para conversarmos melhor?
E ela não teve dúvidas: ele estava broxa!!

sábado, 4 de junho de 2011

"A vida não é filme, você não entendeu..."

O mundo está bipolar.

É o espetáculo da alegria ou o espetáculo da tristeza. Como se a vida fosse um melodrama barato.

Aí, no carnaval, você liga a TV e é só alegria. Tanta alegria que não dá pra respirar! Se você acordou meio preguiçoso, meio melancólico, você só pode ser louco!! Afinal, é carnaval e todo mundo TEM que estar muito, demais, explodindo de felicidade!!!

Mas daí uns dias, acontece um terremoto no Japão. E aí você liga a TV e perde a fome: todos os canais só noticiam isso! A mídia inteira, aliás, só falando disso. E aí parece que o mundo parou porque uma coisa ruim aconteceu. A vida vira uma tristeza só. Não há espaço pra uma felicidadezinha que seja. “Mas é meu aniversário!”. “Que azar o seu fazer aniversário numa data tããão triste!”.

Mas não ligue: já já a rede globo modela seu humor novamente, com algum evento mega-importante que vai encher sua vida de felicidade. Pode ser o show da virada. Ou as aventuras estonteantes do cãozinho Bethoven. O fato é que se sua vida estava muito triste, sem saída, por causa do terremoto no Japão, em breve ela muda de pólo e você ficará igualmente preso, mas na alegria.

Não há equilíbrio! É tudo ou nada, 8 ou 80: o que for novidade neste momento, será a única coisa importante do universo. Paul MacCartney veio ao Brasil em outubro. E a globo só falava nisso. Fez até cobertura ao vivo e tal, porque o cara não vinha ao país fazia muito tempo. Mas aí ele voltou em Maio. "Ai, de novo, Paul MacCartney? Que repetitivo!" E o coitadinho não mereceu nem uma chamadinha na globo.

Estranho né? Ou vamos idolatrar e quase morrer pelo Paul ou vamos agir na linha “who´s Paul?” e continuar transmitindo a novela das 9.

E assim a gente vai tendendo a bipolaridade nas nossas vidas também. Sem equilíbrio, porque a gente aprende que sentir é uma coisa intensa, avassaladora, mas modulada. E se a depressão foi o transtorno do século XX, o bipolar é o transtorno do século XXI. Porque a tristeza só não basta: temos que ser felizes também, poxa! Mas muuuuuito felizes. Felizes demais! Temos que explodir de felicidade. Pra daqui a pouco ficarmos extremamente tristes de novo.

E claro que isso tudo é apenas superficial. Essa tristeza ou essa felicidade não são reais: seus significados não são compartilhados pelas pessoas de maneira consistente. As pessoas apenas se sentem na obrigação de performarem, descomprometidamente, a felicidade para o vizinho, os amigos, os filhos, porque é Natal; ou então performam a penalização extrema pela desgraça que aconteceu do outro lado do mundo, tal qual o repórter da TV faz.

Perdemos o senso: nossa vida virou um programa que tem que ter audiência!! Temos que estar e provar que estamos muito tristes ou muito felizes. Não dá pra ficar no meio do caminho. Mais ou menos feliz é coisa de gente sistemática. E ficar mais ou menos penalizado? Coisa de gente sem coração!

Mas a vida... “a vida é real e de viés”. Não é 8 ou 80. Somos felizes e tristes ao mesmo tempo, porque tudo nessa vida tem um pouco de dor e um pouco de prazer. E “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”. Viver “não é contar piada”. Viver é movimentar o desejo, tão bem cantado pelo Caetano: “Onde queres o ato, eu sou o espírito, E onde queres ternura, eu sou tesão". A gente tem medo da morte, mas quer “morrer numa batucada de bamba”. A gente chora e sorri quando ouve “que a saudade é o viés de um parto; saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu” porque isso é a extrema tristeza; mas é bonito demais também!

A poesia não precisa de demonstrações. A poesia fala alto no peito, e ninguém mais precisa ouvir. Isso é amadurecimento. Já a vontade incontrolável de que todos vejam o quanto eu me emocionei, é marketing; não é sentimento. A felicidade é discreta, delicada, efêmera. A tristeza também. “A felicidade é cheia de ah, é cheia de eh, é cheia de ih, é cheia de oh, cheia de sino e cheia de sono".