O mundo está bipolar.
É o espetáculo da alegria ou o espetáculo da tristeza. Como se a vida fosse um melodrama barato.
Aí, no carnaval, você liga a TV e é só alegria. Tanta alegria que não dá pra respirar! Se você acordou meio preguiçoso, meio melancólico, você só pode ser louco!! Afinal, é carnaval e todo mundo TEM que estar muito, demais, explodindo de felicidade!!!
Mas daí uns dias, acontece um terremoto no Japão. E aí você liga a TV e perde a fome: todos os canais só noticiam isso! A mídia inteira, aliás, só falando disso. E aí parece que o mundo parou porque uma coisa ruim aconteceu. A vida vira uma tristeza só. Não há espaço pra uma felicidadezinha que seja. “Mas é meu aniversário!”. “Que azar o seu fazer aniversário numa data tããão triste!”.
Mas não ligue: já já a rede globo modela seu humor novamente, com algum evento mega-importante que vai encher sua vida de felicidade. Pode ser o show da virada. Ou as aventuras estonteantes do cãozinho Bethoven. O fato é que se sua vida estava muito triste, sem saída, por causa do terremoto no Japão, em breve ela muda de pólo e você ficará igualmente preso, mas na alegria.
Não há equilíbrio! É tudo ou nada, 8 ou 80: o que for novidade neste momento, será a única coisa importante do universo. Paul MacCartney veio ao Brasil em outubro. E a globo só falava nisso. Fez até cobertura ao vivo e tal, porque o cara não vinha ao país fazia muito tempo. Mas aí ele voltou em Maio. "Ai, de novo, Paul MacCartney? Que repetitivo!" E o coitadinho não mereceu nem uma chamadinha na globo.
Estranho né? Ou vamos idolatrar e quase morrer pelo Paul ou vamos agir na linha “who´s Paul?” e continuar transmitindo a novela das 9.
E assim a gente vai tendendo a bipolaridade nas nossas vidas também. Sem equilíbrio, porque a gente aprende que sentir é uma coisa intensa, avassaladora, mas modulada. E se a depressão foi o transtorno do século XX, o bipolar é o transtorno do século XXI. Porque a tristeza só não basta: temos que ser felizes também, poxa! Mas muuuuuito felizes. Felizes demais! Temos que explodir de felicidade. Pra daqui a pouco ficarmos extremamente tristes de novo.
E claro que isso tudo é apenas superficial. Essa tristeza ou essa felicidade não são reais: seus significados não são compartilhados pelas pessoas de maneira consistente. As pessoas apenas se sentem na obrigação de performarem, descomprometidamente, a felicidade para o vizinho, os amigos, os filhos, porque é Natal; ou então performam a penalização extrema pela desgraça que aconteceu do outro lado do mundo, tal qual o repórter da TV faz.
Perdemos o senso: nossa vida virou um programa que tem que ter audiência!! Temos que estar e provar que estamos muito tristes ou muito felizes. Não dá pra ficar no meio do caminho. Mais ou menos feliz é coisa de gente sistemática. E ficar mais ou menos penalizado? Coisa de gente sem coração!
Mas a vida... “a vida é real e de viés”. Não é 8 ou 80. Somos felizes e tristes ao mesmo tempo, porque tudo nessa vida tem um pouco de dor e um pouco de prazer. E “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”. Viver “não é contar piada”. Viver é movimentar o desejo, tão bem cantado pelo Caetano: “Onde queres o ato, eu sou o espírito, E onde queres ternura, eu sou tesão". A gente tem medo da morte, mas quer “morrer numa batucada de bamba”. A gente chora e sorri quando ouve “que a saudade é o viés de um parto; saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu” porque isso é a extrema tristeza; mas é bonito demais também!
A poesia não precisa de demonstrações. A poesia fala alto no peito, e ninguém mais precisa ouvir. Isso é amadurecimento. Já a vontade incontrolável de que todos vejam o quanto eu me emocionei, é marketing; não é sentimento. A felicidade é discreta, delicada, efêmera. A tristeza também. “A felicidade é cheia de ah, é cheia de eh, é cheia de ih, é cheia de oh, cheia de sino e cheia de sono".
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