sábado, 9 de julho de 2011

Cena 12: Quebrando o gelo

(Entrando no apartamento, ela na frente, ele logo atrás. Ela entra falando.)
_ Então, essa é minha casa!
_ Bonita!
_ Senta aí...
_ Sofá moderno, hein?!
(risos)
_ Estilo minimalista!
(Silêncio breve. Os dois esboçam constrangimento. Ele fala, então, insinuando espontaneidade.)
_ Legal esse disco!
_ É... o último do Otto.
_ Primeira vez que ouço...
_ Que legal que fui eu que te apresentei!
(Silêncio longo. Os dois constrangidos. Ele olhando pro chão, pra ela, pro disco, pra almofada. Ela olhando pra ele, pro chão, pro disco, acariciando a almofada. Ironizando o constrangimento, ela fala.)
_ Falei que seria bom a gente trazer umas latinhas...
_ É... é que não acreditei muito que você não tinha nada pra beber...
_ Nada!! Geladeira completamente vazia!!
_ E onde já se viu casa de moça sem o quê comer??
_ Não, querido, você não entendeu. É que em casa de moça a geladeira pode estar vazia. Mas o que não falta é o quê comer.
(Beijo romântico, seguido de cena de sexo.)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Incursões pelo programa DST-Aids...

Acabo de chegar da realização de um exame para detecção de HIV. Sabe aquele programa “Fique sabendo” do governo federal? Pois é, estive lá... eu e minhas pesquisas não financiadas. Poderia fazer meu exame naquele laboratório chique, usando meu plano de saúde, como boa filha de classe média que sou. Mas quis ir lá pra ficar sabendo não só se tenho HIV, mas como é o atendimento do “Fique sabendo”, Uberaba.

Depois de duas visitas à instituição, pra acertar o tal horário de coleta, na terceira vez sou recebida por uma funcionária “bem-humoradíssima”, que me gesticulou algo com pressa, o que entendi significava: “senta ali e espera”. Então, me sentei ali na sala de espera de consulta. Sala velha, escura, com cara de suja. Fui me sentindo mal... Lugar pouco confortável, com aparência ruim, não inspira confiança. Vontade desistir... “se demorar muito, desisto”, pensei.

Mas, não. Foi rápido. Logo chamaram quem estava ali para fazer exame e mandaram subir. E lá em cima, alívio! A sala do “Fique sabendo” é toda branca, móveis novos, parece limpa e os funcionários são sorridentes. Bem mais confortável o programa “Fique sabendo” do que o “Dos que já sabem”. E aí, fiquei pensando que, quando vc recebe um resultado positivo no “Fique sabendo” vc tem duas notícias ruins ao mesmo tempo: de que está com o vírus e de que, de ali em diante, será atendido no andar de baixo, aquele escuro.

Aí, vou logo chegando e já faço uma ficha. Da ficha, vou direto pra tal coleta. Mas antes, uma rápida entrevista. “Só pra saber alguns dados, perguntamos isso pra todo mundo” a moça, muito simpática, me disse.

A primeira pergunta foi retórica: “Você faz sexo só com homens, né?”.
“Putz, acho que tenho cara de hetero”, pensei. Que pena! E a vontade de responder: “sim, por enquanto só com seres humanos, com animais acho anti-higiênico”. Esse foi o primeiro constrangimento. Que tipo de pergunta é essa? Interessa com quem eu faço sexo ou se uso ou não camisinha?

Vamos a próxima: “Você usa drogas?”
hahahahaha!!! Como a saúde pública é inocente né? E por acaso alguém vai responder que sim??! Mas tudo bem, essa foi boa pra descontrair.

Aí vem a terceira: “seu caso é camisinha ou rompimento de camisinha?”
Ou seja, a pergunta não tem a opção “não uso camisinha”. É mole? Um programa de DST que não abre espaço para a conversa, mais do que realista e necessária, sobre se as pessoas usam ou não camisinha. E toma como certo que todos usam camisinha e no máximo, a camisinha estourou. Eita, programa de sucesso, hein?!

O fato é que volto pra casa chocada com o moralismo da saúde pública. Quem foi que elaborou aquelas perguntas, o Papa? “Olha minha filha, se vc usa drogas, vá naquela capela, reze três ave marias, três pai nossos, depois volte para a colher o sangue. E não ouse responder não à minha pergunta retórica sobre seus parceiros sexuais”. (E o pior é que eu sei que o plural na pergunta retórica já foi um ganho!).

Pensar sobre Aids me mobiliza muito. Porque ela envolve três dos maiores tabus da nossa sociedade nada laica: sexo, droga e amor. Não sou afeita àquelas teorias da conspiração, mas me parece muito plausível que a Aids tenha sido inventada pelo Vaticano. Porque o seu poder de punição ao que é moralmente condenável é fortíssimo. Deus disse para não nos drogarmos e não fazermos sexo pelo sexo. E quem faz isso, corre sérios riscos. Ainda mais se seguir mais um mandamento do Papa, o de se opor à camisinha, que é contra o amor verdadeiro e a procriação. Porque o amor verdadeiro, aquele que nos completa e nos consome, não precisa de camisinha, não é mesmo?

Bom, agora é esperar 15 dias pelo resultado do exame. Até lá eu rezo para Deus me perdoar pela camisinha que rompeu e pelo sexo com animais.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Amoral

Das pessoas que se querem revolucionárias e acreditam numa neutralidade moral possível.

Tão moderno isso! Mas o revolucionário agora é o pós-moderno: o que assume a subjetividade e a incapacidade do homem de ser amoral. E coloca como tarefa árdua o exercício da sua moralidade sem ferir ninguém.

Já disse outro dia que admiro quem sabe ser livre sem estragar a noite de ninguém. É por aí... A liberdade deve ser justa. E a justiça é um ajuste entre duas ou mais pessoas. Um encontro. E se dois ou mais não se propõem a se encontrarem, a compartilharem, não há justiça possível.

E aí, na incapacidade de lidarem com a moralidade, propõem o amoral e se prendem a um combinado explícito, embarcam numa onda legalista, bem típica do movimento moderno: só existe o que podemos ver com nossos olhos que a terra há de comer. “Não te prometi nada, não te devo nada”. “Não temos nenhum compromisso, não te devo satisfação”. E o toque, o beijo, as horas, a vida? E o olhar? E o sentimento? Não, nada disso conta. O que conta é o explícito. Às vezes até assinado e reconhecido em cartório: agora sim te devo respeito. Caso contrário, nada significa nada. Uma vida vivida junto e nenhum reconhecimento de vínculo. Um jeito irresponsável de ser livre, sem ser justo.

“Nunca julguei ninguém para não me julgarem”. Pra começar há um julgamento aí: o de que julgar é coisa ruim. Não julgar pra não ser julgado é semelhante àquela história de "eu não vou na sua casa pra você não ir na minha”. A tentativa de ser amoral tem a ver com a vontade de não precisar. Se não precisar de ninguém você não tem que ser legal, não tem que pedir, não tem que estar presente, não tem que retribuir. A amoralidade vem então da indisposição de retribuir.

Mas ninguém está nesse mundo sozinho! Não carregamos um pecado original nessa vida, mas sim uma dívida original: uma dívida a alguém que te ajudou a existir, que te pariu. Então é impossível não precisar. Todo mundo precisa e usufrui, o tempo todo! O que dá pra fazer é fingir que não precisa ou fingir que não usufrui pra se negar a dar a sua parte na história. Neste caso você só vai precisar de... ser amoral.

O símbolo do precisar é a mãe. Aquela que idealmente, dá para o nenê tudo o que ele precisa, sem ele nem mesmo pedir... ela adivinha! Mas já já a mãe (real) falha em adivinhar e rompe com a completude do ser. Instaura-se o precisar. E cada um faz uma coisa com sua mãe interior. Tem gente que a nega, padecendo da falta de ajuda, porque não pode assumir que precisa pra não correr o risco de não ter o quê precisa. Outras matam a mãe interior, na tentativa de matar não só o quê precisam, mas o precisar. Se algo do que eu precisei alguma vez na vida me foi negado, não quero precisar de mais nada nesse mundo. Na vingança pela falta da mãe, mata-se a mãe.

No meu caso eu aprendi a pedir direitinho, porque minha mãe sempre me deu tudo, se não o quê eu precisava, o consolo por não ser possível. O problema é o padrão que isso coloca para as minhas relações. Eu quero demais das pessoas. Deposito sem vergonha meu precisar nelas. Falo. Explicito. Peço.

Mas as pessoas não são minha mãe.

A minha mãe sou eu mesma falando pra mim que se tudo não está bem agora, não demora, vai estar.