segunda-feira, 4 de julho de 2011

Amoral

Das pessoas que se querem revolucionárias e acreditam numa neutralidade moral possível.

Tão moderno isso! Mas o revolucionário agora é o pós-moderno: o que assume a subjetividade e a incapacidade do homem de ser amoral. E coloca como tarefa árdua o exercício da sua moralidade sem ferir ninguém.

Já disse outro dia que admiro quem sabe ser livre sem estragar a noite de ninguém. É por aí... A liberdade deve ser justa. E a justiça é um ajuste entre duas ou mais pessoas. Um encontro. E se dois ou mais não se propõem a se encontrarem, a compartilharem, não há justiça possível.

E aí, na incapacidade de lidarem com a moralidade, propõem o amoral e se prendem a um combinado explícito, embarcam numa onda legalista, bem típica do movimento moderno: só existe o que podemos ver com nossos olhos que a terra há de comer. “Não te prometi nada, não te devo nada”. “Não temos nenhum compromisso, não te devo satisfação”. E o toque, o beijo, as horas, a vida? E o olhar? E o sentimento? Não, nada disso conta. O que conta é o explícito. Às vezes até assinado e reconhecido em cartório: agora sim te devo respeito. Caso contrário, nada significa nada. Uma vida vivida junto e nenhum reconhecimento de vínculo. Um jeito irresponsável de ser livre, sem ser justo.

“Nunca julguei ninguém para não me julgarem”. Pra começar há um julgamento aí: o de que julgar é coisa ruim. Não julgar pra não ser julgado é semelhante àquela história de "eu não vou na sua casa pra você não ir na minha”. A tentativa de ser amoral tem a ver com a vontade de não precisar. Se não precisar de ninguém você não tem que ser legal, não tem que pedir, não tem que estar presente, não tem que retribuir. A amoralidade vem então da indisposição de retribuir.

Mas ninguém está nesse mundo sozinho! Não carregamos um pecado original nessa vida, mas sim uma dívida original: uma dívida a alguém que te ajudou a existir, que te pariu. Então é impossível não precisar. Todo mundo precisa e usufrui, o tempo todo! O que dá pra fazer é fingir que não precisa ou fingir que não usufrui pra se negar a dar a sua parte na história. Neste caso você só vai precisar de... ser amoral.

O símbolo do precisar é a mãe. Aquela que idealmente, dá para o nenê tudo o que ele precisa, sem ele nem mesmo pedir... ela adivinha! Mas já já a mãe (real) falha em adivinhar e rompe com a completude do ser. Instaura-se o precisar. E cada um faz uma coisa com sua mãe interior. Tem gente que a nega, padecendo da falta de ajuda, porque não pode assumir que precisa pra não correr o risco de não ter o quê precisa. Outras matam a mãe interior, na tentativa de matar não só o quê precisam, mas o precisar. Se algo do que eu precisei alguma vez na vida me foi negado, não quero precisar de mais nada nesse mundo. Na vingança pela falta da mãe, mata-se a mãe.

No meu caso eu aprendi a pedir direitinho, porque minha mãe sempre me deu tudo, se não o quê eu precisava, o consolo por não ser possível. O problema é o padrão que isso coloca para as minhas relações. Eu quero demais das pessoas. Deposito sem vergonha meu precisar nelas. Falo. Explicito. Peço.

Mas as pessoas não são minha mãe.

A minha mãe sou eu mesma falando pra mim que se tudo não está bem agora, não demora, vai estar.

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