Ouvia o novo disco do Caetano e lembrou-se do texto secreto que
ele escrevera para ela, quando o amor ainda se disfarçava de amizade e quando ainda
nem sequer se imaginavam amantes.
Três discos depois, aquele texto parecia tão
necessário... Se não por ela, muito menos por ele, mas pelo Caetano.
Na primeira busca, nada. A certeza de tê-lo jogado fora,
como sempre é necessário com o que se quer esquecer: joga-se tudo fora, o que
se quer e o que não se queria querer esquecer.
Perdeu-se da busca, envolvida na leitura de uma pasta de
textos antigos. Ótimos textos do passado. E no meio deles, a Descoberta. Era esse o nome do texto. Que ela só percebeu
ter encontrado ao final da leitura, quando uma lágrima escorreu, fingindo não
existir.
Ao que recebe alguns amigos em casa. Cada qual, como
cachorro, achando seu lugar no sofá. (O cachorro nunca ocupa um espaço a esmo.
Um cachorro nunca está desalinhado com os astros. Seu lugar é sempre aquele em
que está).
Conhecem o último do Caetano?
Ninguém conhecia, lançamento recentíssimo. Conversa veio,
conversa foi, conversa não veio nem foi para aquela que não conhecia o último
do Caetano, frente ao qual, porém, não pôde estar indiferente.
Encantada com o disco, seu olhar atravessando o aqui das
conversas, mirava longe.
Aquele que já conhecia o último do Caetano, por sua vez
atravessando o aqui das conversas, mirava fundo aquela que mirava longe.
Percebeu que estavam juntos no interesse pelo disco, na apreciação de um novo
sabor: comunhão.
Para onde ela olhava?
Para lá, onde se encontrariam futura e fatalmente:
O lugar exato, alinhado com todos os astros, lugar-além, dos
dois, só. Onde ser amigos é questão de mira e ser amantes é questão de tempo.
Para onde ela olhava?
Para o projeto secreto de escreverem um livro com aquela história
maluca, visceral, secreta, um Marília de Dirceu contemporâneo.
Eu quero ser a sua piscina de uvas. Era o nome do livro.
Dia desses a gente estava conversando sobre seu cabelo e uma
coisa que você falou que gostava era o timbre que o sol imprime sobre os fios.
Resposta à vida, ao calor, à luz, seu cabelo sorri em bronze. Imagino todas as
respostas do seu corpo. Pele. Rosto. Que tipo de pergunta pode suscitar seu
melhor cheiro? Sua risada mais tocante? Seu olhar mais outro mundo? Que tipo de
festa te faz chorar? Qual o caminho do seu inadiável desespero? Sermos um o sol
do outro, nossos corpos gostosos como só ficam na praia.
Teve vontade reler e-mails. Ainda tinha uma senha antiga,
que vivia sendo trocada para esconder o grande segredo. Conjunção dos astros:
internet fora do ar.
Caso do acaso, nosso amor estava escrito nas estrelas.
Com início, meio e fim.