terça-feira, 24 de setembro de 2013

Cenas de carnaval

1- O bar da Claudette

Eles estavam no bar há algum tempo, jogando e bebendo, se aquecendo pro bloco da noite. 

Naturalmente o bofe vai ao banheiro. Preocupada com sua longa demora, ela resolve ir até o banheiro, já que o namorado tinha um probleminha de dormir de repente quando bebia. Chegando lá, uma porta entreaberta e a cena do namorado sendo devidamente chupado pela dona do bar.

Ela não foi embora. Não fez escândalo. Apenas esperou o namorado voltar e perguntou por que ele havia demorado tanto. Ao que ele respondeu: “sabe o que é amor... eu tava lá mijando... a Claudete entrou... e quando viu, caiu no meu pau!”.

Ela relata o causo na mesa, que contava com 5 amigas, e todas se indignam!

­_ “Como assim, você não fez nada?!”
_ “Meninas, vocês sabem o que é 25 cm?”

A mesa toda se cala. Todas entende perfeitamente a Claudete.

2- Claudette

“Era um homem lindo na adolescência”, gostava de lamentar a mãe para as amigas... “ainda rezo todos os dias pra ele voltar ao normal”.

Pois bem, a mãe não se conformava, mas a verdade é que Claudionor, agora Claudete, era um estouro de mulher!

E tudo aconteceu no carnaval de 1998: Claudionor se vestiu de mulher, o sucesso foi tamanho e ele entendeu o que queria dizer Almodóvar, em “Tudo sobre minha mãe”: No tesão, tudo se resume em peitos e pintos. E ele que já tinha pinto, tratou de providenciar os peitos.

No carnaval de 99, ninguém mais se lembrava de Claudionor. Claudete reinava absoluta. Teve um romance com um numerólogo que sugeriu acrescentar um “T”: Claudette. 

Assim, as portas para o amor estariam sempre abertas. 


sexta-feira, 21 de junho de 2013

Tinha que ser eu?

Sou requisitada a dizer para as pessoas o que elas devem fazer quando as crianças se beijam na boca.

“O que fazer quando uma menina beija outra menina?” – eu ocupo posição privilegiada para responder isso.

Eu, justo eu!

Por que essa tarefa injusta, que me faz engolir um sapo atrás do outro, quando tenho que ser simpática e cuidadosa para dizer o óbvio?

É um esforço fenomenal não poder gritar aos quatro cantos o quanto o mundo é preconceituoso e careta e hipócrita e limitado e ignorante e não sabe o que é bom.

O que é bom é poder aceitar os convites que te parecem interessantes, é poder experimentar o que se deseja, é poder escolher viver plenamente o curso da própria vida sem se preocupar em ter que explicar o que você é o tempo todo.

O bom é poder estar, sem se prender nas exigências do é. O que você é? O que isso significa?
Significa que estou feliz. Ponto.

“E a menina que beijou a outra na escola? Já expliquei que meninas beijam rapazes... e o que mais devo fazer?”

E se simplesmente disséssemos para ela que a organização da escola, no momento, não tolera beijos na boca e que podemos combinar de que não nos beijaremos na escola? E se a gente pensar que ela pode estar apenas explorando a sua sexualidade sem muito planejamento, apenas interagindo com a pessoa mais próxima e confiável, que no momento era a melhor amiga? E se, de fato, considerarmos que esta criança está começando a exercer sua preferência/condição em termos de sexualidade e está mesmo beijando a colega que ela está afim, o quê qualquer intervenção/preocupação heteronormativa de nossa parte fará de bom a essa criança, se não contribuir para que ela se sinta inadequada?

E tudo isso eu precisei dizer, com calma e tranquilidade.


Tinha que ser eu.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Novo do Caetano


Ouvia o novo disco do Caetano e lembrou-se do texto secreto que ele escrevera para ela, quando o amor ainda se disfarçava de amizade e quando ainda nem sequer se imaginavam amantes. 
Três discos depois, aquele texto parecia tão necessário... Se não por ela, muito menos por ele, mas pelo Caetano.
Na primeira busca, nada. A certeza de tê-lo jogado fora, como sempre é necessário com o que se quer esquecer: joga-se tudo fora, o que se quer e o que não se queria querer esquecer.
Perdeu-se da busca, envolvida na leitura de uma pasta de textos antigos. Ótimos textos do passado. E no meio deles, a Descoberta. Era esse o nome do texto. Que ela só percebeu ter encontrado ao final da leitura, quando uma lágrima escorreu, fingindo não existir.  
Ao que recebe alguns amigos em casa. Cada qual, como cachorro, achando seu lugar no sofá. (O cachorro nunca ocupa um espaço a esmo. Um cachorro nunca está desalinhado com os astros. Seu lugar é sempre aquele em que está).
Conhecem o último do Caetano?
Ninguém conhecia, lançamento recentíssimo. Conversa veio, conversa foi, conversa não veio nem foi para aquela que não conhecia o último do Caetano, frente ao qual, porém, não pôde estar indiferente.
Encantada com o disco, seu olhar atravessando o aqui das conversas, mirava longe.
Aquele que já conhecia o último do Caetano, por sua vez atravessando o aqui das conversas, mirava fundo aquela que mirava longe. Percebeu que estavam juntos no interesse pelo disco, na apreciação de um novo sabor: comunhão.
Para onde ela olhava?
Para lá, onde se encontrariam futura e fatalmente:
O lugar exato, alinhado com todos os astros, lugar-além, dos dois, só. Onde ser amigos é questão de mira e ser amantes é questão de tempo.
Para onde ela olhava?
Para o projeto secreto de escreverem um livro com aquela história maluca, visceral, secreta, um Marília de Dirceu contemporâneo.
Eu quero ser a sua piscina de uvas. Era o nome do livro.
Dia desses a gente estava conversando sobre seu cabelo e uma coisa que você falou que gostava era o timbre que o sol imprime sobre os fios. Resposta à vida, ao calor, à luz, seu cabelo sorri em bronze. Imagino todas as respostas do seu corpo. Pele. Rosto. Que tipo de pergunta pode suscitar seu melhor cheiro? Sua risada mais tocante? Seu olhar mais outro mundo? Que tipo de festa te faz chorar? Qual o caminho do seu inadiável desespero? Sermos um o sol do outro, nossos corpos gostosos como só ficam na praia.
Teve vontade reler e-mails. Ainda tinha uma senha antiga, que vivia sendo trocada para esconder o grande segredo. Conjunção dos astros: internet fora do ar.
Caso do acaso, nosso amor estava escrito nas estrelas.
Com início, meio e fim.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ainda


De vez em quando eu acesso essa dor. Momentos em que descubro que isso ainda é uma dor.

Ainda?

“Ainda” que vem da esperança de que a dor um dia não seja mais dor.

Mas a vida também é feita de dores que não passam nunca. Dores a se carregar. Um homem com uma dor é muito mais elegante...

Talvez venha daí a elegância da vida: a maturidade que só tem quem carrega dores. Quem soube que fazer escolhas implica em carregar algumas dores. Quem soube que a felicidade verdadeira é carregar as dores que se escolheu carregar – e não aquelas que alguém lhe impôs.

Sim, às vezes as dores são impostas. E com algumas delas temos que conviver. E a tarefa de, ainda, ser elegante. O que tem a ver com resignação, desapego, otimismo. Olhar o lado bom da vida, não é assim?

Papo antigo esse. Qualquer vó diz isso. E o mais sábio da vida é dito por pessoas comuns. Não é assim?

É assim.

Uma mulher com uma dor também é muito mais elegante.